quinta-feira, 27 de maio de 2010

Acorde!



Acordei. O frio e a umidade do ar me abraçavam o peito, mas eu acordei. Cedo demais, pro que considero usual. Nem o sol ainda se havia acordado, mas eu já me fazia de pé. E aquela certa agonia sem nome me fez inquieto. Então andei...
As ruas pelas quais passei – todas absurda e inacreditavelmente vazias – eram quase rios negros reluzentes. Chegava a ver no asfalto o reflexo das poucas estrelas que pintavam o céu, igualmente escuro. Algumas das casas que beiravam as ruas me soavam bem agradáveis, com jardins convidativos e aconchegantes. E ia andando e reparando as casinhas, uma após a outra...
Parei.
Era uma casa que já conhecia, sem saber exatamente como. Mas já conhecia. Janelas verdes, bem encaixadas em paredes de um cinza bem claro... quase como o das nuvens leves de chuva. Chuviscos. Um pequeno algodoal guardado e bem cuidado no jardim, cercado por lírios bem novos. E cortinas lisas, parecendo duas flanelas. Flanelinhas cor-de-laranja. Era tudo similar demais, conhecido demais. Era particularmente habitual pra mim.
Entrei.
Encontrei ali tudo aquilo que nunca havia conhecido, mas desde sempre lembrava. Memórias de vidas que sequer vivi, bem ali, naquela casa. Das conversas no sofá de couro marrom escuro, já meio gasto. E do cheiro de algodão, tão bom, que vinha das cortinas.
Vi meu passado que não existiu, senti meu presente, que era incolor, mas sensível. E vi meu futuro, embaçado e escuro. Mas juro, juro que enxerguei um pingo de felicidade. Vi olhos claros, uma boca farta. Vi coragem e virtude.
Três batidas.
Acordei – dessa vez, de verdade – com o vigia da noite, batendo no banco em que eu estava dormindo. E mais uma crise de sonambulismo havia-me acometido – mas será?
E ao voltar pra minha cama, já me aconchegando nos lençóis, tentei guardar na memória todos os detalhes daquele sonho torpe. Especificamente daquela casa.
E depois, pensando bem mesmo, tive a impressão de que aquela casa tinha um rosto, um corpo e um nome. O nome que a minha alma grita há tempos. E por fim, me sobreveio a maior dúvida, será que foi mesmo um sonho ou estaria eu sonhando agora?
A realidade, pra mim, já não é mais tão detectável a olho nu. Prefiro o toque!
Você está acordado?
Abra os olhos!
(Uma batida!)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Coragem


E em certa altura da minha vida eu decidi o que queria. Arrumei uma mochila com nada mais do que o necessário e parti. Sem rumo certo, é bem verdade. Mas sabendo exatamente aonde queria chegar. E andei. E corri. E cansei. Mas nunca desisti... até que achei! Era uma montanha imensa. Creio que nunca havia visto nada mais alto! Eram quilômetros de terra em cima de mais terra e pedras, onde sequer aparecia o cume.
E comecei a subida. No começo era ótimo o caminho, fácil e bem acessível. Não me exigiu esforço nenhum, a não ser seguir o ritmo freqüente, não parava nem pra descansar.
O caso é que o caminho foi ficando bem estreito, e as coisas começaram a ficar difíceis. Topei numa pedra e quebrei dois dedos do pé, e aquela raiva de deixar o rubro o rosto me dominou... e a dor latejava! Mas eu continuei... não desisti e caminhei, já mancando um pouco, mas segui!
O caminho só piorava, e quando a dor nos dedos fraturados do pé esquerdo já era quase “normal” pra mim, mais uma surpresa: animais ferozes habitavam a montanha – era só o que me faltava. Continuei minha caminhada cuidadosa, fazendo esforço pra não despertar a atenção dos ursos. O problema foi ter esquecido as hienas.
Um vulto e o céu. Era só o que eu via. E algo frio no meu braço direito. Quando me dei conta da situação, percebi que estava deitado no chão. E o frio no braço eram os dentes de uma hiena gigante e faminta. E lutei... com todas as forças que tinha, mas a besta era forte. Mas consegui sacar minha faca, e rasguei-lhe os olhos com um golpe certeiro! E ela fugiu, correndo e guinchando de dor.
Mas dor por dor, a minha também estava bem grande. Além da marca sangrenta dos dentes do animal no meu braço direito, ainda ganhei duas marcas de unhas, igualmente sangrentas, na altura do peito. Doía, sim – e doía muito – mas eu continuei. E a montanha à minha frente parecia tão grande que quase desisti, mas ao mesmo tempo tão linda. E segui mais uma vez!
O caminho foi piorando ainda mais, até que chegou o ponto onde eu não podia mais caminhar. E escalei, mesmo com as dores semi-insuportáveis nos pés, braços e peito, eu escalei. Subia as paredes rochosas com todo o cuidado. E as pedras escorregadias – que por vezes me pegaram de surpresa – eu analisava com mais cuidado ainda.
E foi então que o céu se fez mar. E uma tempestade nunca vista antes desabou sobre a montanha – a minha montanha. O frio fazia doerem ainda mais todos os ferimentos do meu corpo. E o vento me fazia sentir como um mosquito na frente de um ventilador potente. De repente toda aquela água fez desmoronar um pequeno pedaço de terra, no qual eu me apoiava, e escorreguei – e fui caindo, montanha abaixo. Até ficar preso pela mochila num galho que resistiu bravamente (santo galho). E fiquei ali, dependurado, dolorido, com frio, fome e sede... mas era a minha montanha – e agora, mais do que nunca, só minha.
Coloquei-me de pé no galho que me salvou a vida, e voltei a escalar as paredes de pedra. E subi – mesmo quase derrotado. E quando já não lembrava mais de outra sensação que não fosse aquela, e nem de outra coisa que não fosse escalar. Acabou.
Eu estava, enfim, no topo da minha montanha. E a vista era linda. De lá eu pude ver o mundo todo – no passado e no presente. Cheguei a ter noção do futuro. E ali fiquei sentado, admirando o meu mundo, por muito tempo. Faziam-me companhia somente o sol e a lua.
Até que chegou a minha hora – a hora de fazer aquilo que eu decidi no momento em que encontrei aquela montanha. Coloquei-me de pé. Dei três passos pra trás. Corri. Pulei!
Não, não. Não foi suicídio. Eu só queria voar.
E acreditem em mim quando eu digo que todas as dificuldades, todas as dores, todos os dentes, garras, pedras, fraturas, fome, frio, sede e solidão valeram a pena. Hoje eu vôo. De braços abertos no ar. Eu não sinto uma queda, sinto só o ar. Sinto-me a voar!
Eu sei que um dia eu vou chegar ao chão. Mas quem se importa? Eu posso voar! Agora, eu sou livre. Acho que esse é um preço bom a se pagar.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Pensamentos soltos: tubos de solidão


Solidão. É, todo mundo já falou sobre solidão. É um tema batido, e eu tenho conhecimento disso... mas quem disse que isso importa?! São os dois maiores temas: amor e solidão.
Eu, como não tenho amor, falo da minha solidão. Assumo que não é uma solidão convencional, de fato. Minha solidão é bem particular, é minha. Só minha. Ficar só sem estar sozinho é bem difícil? Nem tanto. Pensem bem, com certeza vocês também já se sentiram sozinhos no meio daquela multidão. Querendo estar em algum outro lugar, com uma única pessoa, que te faria esquecer completamente do tempo, das conseqüências, dos motivos.
A solidão é um estado de espírito que te deixa bem racional. Repare: você sempre é mais frio, calculista e menos emocional. Às vezes até insensível – e isso até pode ser bom, em alguns casos extremos de romantismo agudo.
É, romantismo às vezes pode ser um defeito, mas isso é um outro assunto. Quando você tá só, raramente consegue ser romântico... talvez um romance meio gótico, mas, ah... esse não conta!
Ser só não é ser triste, como muita gente acredita. Você pode ser muito feliz sozinho – e eu acredito cegamente nisso – mas com certeza o romantismo faz uma falta. O preço de ter a liberdade pode ser salgado demais pra alguns, mas é um preço justo – acredito eu.
A questão é saber se adaptar. Não às situações, mas aos momentos. Decida qual momento você quer viver e viva-o até a sua última gota – esbanje-se, sue e ofegue! Até gema, se necessário for (e tem ocasiões que o é).
Admita e se conforme com o fato de que a vida é uma eterna mutação. Evolução e regressão. É um circulo, onde a grande sacada é encontrar o equilíbrio. São ondas de vibração! Transmita positividade e se prepare pro futuro. São ondas diferentes, mas freqüentes... um swell frenético. Então drope com confiança, e mantenha suas pernas firmes. Entre nesse tubo, porque lá dentro sim, a solidão é linda e sonora!