quarta-feira, 19 de maio de 2010

Coragem


E em certa altura da minha vida eu decidi o que queria. Arrumei uma mochila com nada mais do que o necessário e parti. Sem rumo certo, é bem verdade. Mas sabendo exatamente aonde queria chegar. E andei. E corri. E cansei. Mas nunca desisti... até que achei! Era uma montanha imensa. Creio que nunca havia visto nada mais alto! Eram quilômetros de terra em cima de mais terra e pedras, onde sequer aparecia o cume.
E comecei a subida. No começo era ótimo o caminho, fácil e bem acessível. Não me exigiu esforço nenhum, a não ser seguir o ritmo freqüente, não parava nem pra descansar.
O caso é que o caminho foi ficando bem estreito, e as coisas começaram a ficar difíceis. Topei numa pedra e quebrei dois dedos do pé, e aquela raiva de deixar o rubro o rosto me dominou... e a dor latejava! Mas eu continuei... não desisti e caminhei, já mancando um pouco, mas segui!
O caminho só piorava, e quando a dor nos dedos fraturados do pé esquerdo já era quase “normal” pra mim, mais uma surpresa: animais ferozes habitavam a montanha – era só o que me faltava. Continuei minha caminhada cuidadosa, fazendo esforço pra não despertar a atenção dos ursos. O problema foi ter esquecido as hienas.
Um vulto e o céu. Era só o que eu via. E algo frio no meu braço direito. Quando me dei conta da situação, percebi que estava deitado no chão. E o frio no braço eram os dentes de uma hiena gigante e faminta. E lutei... com todas as forças que tinha, mas a besta era forte. Mas consegui sacar minha faca, e rasguei-lhe os olhos com um golpe certeiro! E ela fugiu, correndo e guinchando de dor.
Mas dor por dor, a minha também estava bem grande. Além da marca sangrenta dos dentes do animal no meu braço direito, ainda ganhei duas marcas de unhas, igualmente sangrentas, na altura do peito. Doía, sim – e doía muito – mas eu continuei. E a montanha à minha frente parecia tão grande que quase desisti, mas ao mesmo tempo tão linda. E segui mais uma vez!
O caminho foi piorando ainda mais, até que chegou o ponto onde eu não podia mais caminhar. E escalei, mesmo com as dores semi-insuportáveis nos pés, braços e peito, eu escalei. Subia as paredes rochosas com todo o cuidado. E as pedras escorregadias – que por vezes me pegaram de surpresa – eu analisava com mais cuidado ainda.
E foi então que o céu se fez mar. E uma tempestade nunca vista antes desabou sobre a montanha – a minha montanha. O frio fazia doerem ainda mais todos os ferimentos do meu corpo. E o vento me fazia sentir como um mosquito na frente de um ventilador potente. De repente toda aquela água fez desmoronar um pequeno pedaço de terra, no qual eu me apoiava, e escorreguei – e fui caindo, montanha abaixo. Até ficar preso pela mochila num galho que resistiu bravamente (santo galho). E fiquei ali, dependurado, dolorido, com frio, fome e sede... mas era a minha montanha – e agora, mais do que nunca, só minha.
Coloquei-me de pé no galho que me salvou a vida, e voltei a escalar as paredes de pedra. E subi – mesmo quase derrotado. E quando já não lembrava mais de outra sensação que não fosse aquela, e nem de outra coisa que não fosse escalar. Acabou.
Eu estava, enfim, no topo da minha montanha. E a vista era linda. De lá eu pude ver o mundo todo – no passado e no presente. Cheguei a ter noção do futuro. E ali fiquei sentado, admirando o meu mundo, por muito tempo. Faziam-me companhia somente o sol e a lua.
Até que chegou a minha hora – a hora de fazer aquilo que eu decidi no momento em que encontrei aquela montanha. Coloquei-me de pé. Dei três passos pra trás. Corri. Pulei!
Não, não. Não foi suicídio. Eu só queria voar.
E acreditem em mim quando eu digo que todas as dificuldades, todas as dores, todos os dentes, garras, pedras, fraturas, fome, frio, sede e solidão valeram a pena. Hoje eu vôo. De braços abertos no ar. Eu não sinto uma queda, sinto só o ar. Sinto-me a voar!
Eu sei que um dia eu vou chegar ao chão. Mas quem se importa? Eu posso voar! Agora, eu sou livre. Acho que esse é um preço bom a se pagar.

4 comentários:

  1. vai te catar Caio!

    eu me contorci na cadeira lendo esse texto, depois eu me arrepiei e agora eu to chorando feito uma bebezinha no final.
    de todos os teus textos esse até agora foi o mais lindo de todos.
    Não sei se porque fala, principalmente no final, do que eu mais acho lindo na vida que é ser livre e voar... ou se por tudo.
    lindo, lindo.
    parabéns :}

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  2. Nossa.. que orgulho um textinho tão "mixuruca" ter inspirado esse texto tão lindo seuu! ;)
    Mas essa é a mais pura verdade. Liberdade não se compra, nem se ganha. Se conquista. Muitas vezes a custa de sangue, suor e lágrimas.. muuuitas lágrimas, e literais! Se bem que eu tenho aprendido que as dores mais profundas não nos permitem nem ao menos chorar.. Mas enfim!
    Voltando ao texto.. Malditas hienas! Chegaram quase no topo?! hahahhaa..
    Um dia vc vai chegar ao chão? E daí? É de lá que a maioria das pessoas nem teve a coragem de sair...
    Lindo o texto.. adorei!
    Beijo!

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  3. Super-entendi eu acho!

    Boa sorte o teu voo.

    Aproveite até o próximo pouso.

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  4. Sabe o que eu mais gosto neste blog??
    Poder ver palavras e coisas em ti que (normalmente) não imagino no decorrer dos dias e/ou do convívio e que, no final, se tornam "minidescobertas" verdadeiramente fantásticas.
    Belo texto.
    Beijos.

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